Tenho pensado muito em culpa ultimamente. Não porque eu tenha algo em particular para me sentir culpado, mas porque cada vez que eu olhar um livro de receitas recém-publicado ou ler um post do Instagram sobre “alimentação correta”, eu sou instigada a sentir “culpa” pela forma como me alimento.
Há livros com receitas como “comida livre de culpa, seus convidados vão adorar” ou “favoritos da semana sem culpa”, ou “comida deliciosa sem culpa”, ou comida que promete te fazer sentir “feliz, e não culpado”.
Por que atualmente comer virou sinônimo de culpa ?
Essas incríveis novas receitas sem culpa têm algo para demonizar, algo para nos salvar – da “Turma de malvados nutricionais de coisas ruins”: trigo, produtos lácteos, açúcar refinado, glúten – não devemos nem pensar em tocar nossos lábios nesses tipos de alimentos para que não nos transformemos em “pessoas ruins” e “sem noção” do que seria uma alimentação “correta e saudável”.
Sim, leio as manchetes gritando sobre a epidemia de obesidade iminente. Tenho certeza de que comer “comida de verdade” é uma boa ideia, mas estou ainda mais certa de que insidiosamente tentar fazer com que as pessoas se sintam culpadas por participar de uma das atividades mais gratificantes da natureza é errado. As refeições não devem ser um tempo para auto-flagelação e culpa. Eles deveriam ser uma chance de desabafar e conversar com os amigos, aliviar todo o stress sofrido pelo nosso cérebro depois de uma semana complicada, cozinhar, comer e desfrutar.
E de qualquer forma, eu não quero comer pratos apenas porque eles são alcalinos, ou livre de trigo, ou com baixo indicie glicêmico. Não ! Eu quero cozinhar e comer alimentos que eu gosto. Comida feita com bons ingredientes, feita com cuidado e bem temperada. Eu quero cozinhar coisas para pessoas que gostam de compartilhar e que estão felizes em comer. A contagem de calorias e a rotulagem simplista dos alimentos em bons ou ruins ou a dissecação dele em uma coleção de nutrientes está indo além do ponto. O que devemos estar perguntando sobre um alimento é “Ele é bom?” ou “Será que vai agradar o meu paladar?”
Sim, há algumas coisas que me fazem sentir culpada … Tenho uma sensação de remorso se eu tiver exagerado em certos tipos de comida, porque sei que poderia ter comido a mesma comida, mas em uma quantidade ou porção mais equilibrada – o que tornaria o gosto e o prazer de come-la ainda maior -. Eu a teria desfrutado ao invés de “devora-la”.
Há muitas coisas erradas com o nosso sistema alimentar atual e muito para que realmente sintamos “vergonha”: industrializados demais – o tal do “descascar mais e desembalar menos” está correto. A quantidade chocante de alimentos que as famílias por simples falta de planejamento jogam fora. Estas são coisas que devemos ter pensar e ter consciência – e devemos sim fazer algo – em vez de obsessão com alguns ingredientes elegantemente demonizados.
Você até pode ter uma razão médica ou religiosa para cortar algo da sua dieta, mas a exclusão alimentar que vemos hoje em dia é, na melhor das hipóteses, mal informada e, no pior, é perigoso. Então, faça-se um favor e se livre da culpa – principalmente nesta época do ano – onde a comida não é só “comida” mais um meio de reunir e unir amigos e familiares ao redor de uma mesa com vários alimentos gostosos. Sim, a comida pode ser e é gostosa, e deixe de lado suas analises sobre se aquele alimento tem baixo indicie glicêmico é livre de glúten, ou é uma “comida limpa” para outra pessoa.
Autoria do texto:
Valéria Lemos Palazzo – Psicóloga e Neuropsicóloga
Idealizadora, Criadora e Coordenadora do GATDA – Grupo de Apoio e Tratamento dos Distúrbios Alimentares, da Ansiedade e de Humor