Como ajudar alguém com distúrbio alimentar

DISTÚRBIOS ALIMENTARES: O QUE A FAMÍLIA PRECISA SABER?

  • Admita que tem um problema grave em casa. A negação da doença é muitas vezes parte integrante do quadro. Raramente um paciente se queixa da perda de peso.
  • Em geral o doente desconfia dos médicos e terapeutas e os encara como inimigos.
  • Saiba que a taxa de mortalidade e complicações físicas são altas.
  • Às vezes as melhoras iniciais não representam avanços concretos.
  • Cada dia de atraso no tratamento, pode representar um risco no aumento do quadro crônico da doença.
  • Geralmente a família sofre porque não consegue ajudar, e o doente porque não quer ser ajudado.
  • A necessidade de controlar o peso e a alimentação, bem como os cuidados para que o doente tome a medicação certa e não a errada (diuréticos, laxantes, anorexígenos e hormônios tireoidianos), são batalhas diárias.
  • As recaídas e o isolamento social são muito frequentes.
  • Raramente o tratamento vai até o final com o mesmo médico ou terapeuta que diagnosticou a doença. A pressão dos pacientes em mudar de profissionais, associada a ansiedade das famílias em ter resultados rápidos, faz com que a troca de profissionais responsáveis pelo tratamento ocorra com frequência o que retarda o processo.
  • Deixe claro que você se preocupa. Demonstre que a sua preocupação está relacionada com a saúde física e emocional da pessoa. Deixe claro para o paciente que se trata de salvar sua vida, quer ele queira ou não, você sempre vai estar ao seu lado e participar do seu processo de tratamento.
  • Os grupos para pais podem oferecem um marco de segurança para os pais, já que proporcionam o desenvolvimento de sentimentos de autoestima, afetividade e esperança para os estes, também funcionam como um “guia” aonde os pais tanto recebem e trocam informações tanto com os terapeutas quanto com outros pais. O grupo de pais não é uma solução para o transtorno alimentar de um filho, mas pode ser considerado como uma “ferramenta eficiente e útil ao tratamento”.  Lewis y Mac Guire (1985)

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A terapia familiar permite uma reestruturação da organização familiar, a modificação das estratégias de confronto entre pais e filhos, e a “correção” da comunicação disfuncional entre os membros da família. Na terapia familiar também se busca a autonomia e diferenciação entre seus membros.

Uma família que se defronta com um membro afetado por um transtorno alimentar se transforma no local propício para a falta de comunicação, silêncios dolorosos, recriminações tardias, sentimento de culpa e frequentes promessas  de mudanças. Por isso a família jamais deve ser “culpada” da doença. Mas sim reconhecer a responsabilidade de si mesma no problema. Este reconhecimento da família como “parte” e não “causa” da doença faz parte do processo de tratamento do paciente. Na terapia familiar e/ou nos encontros realizados nos grupos de pais, as “feridas” da família, cicatrizam paralelamente as da pessoa afetada pelo transtorno alimentar. A família também deve conhecer as crenças erradas que tem sobre os transtornos alimentares, reconhecendo que estas mantêm dentro de si, profundas complicações biopsicossociais. Muitos pais têm dificuldade em entender que sua filha com anorexia, não deseja ser como uma “modelo”. Ela deseja emagrecer “até morrer”.

A família como núcleo básico da sociedade tem como responsabilidade realizar uma releitura crítica da sociedade moderna. Isso pode ser muito difícil, quando a própria mãe apresenta uma identidade baseada em valores e padrões distorcidos de beleza. Logo isto fará com que a própria filha desta mulher cresça equivocada com relação a sua confiança e sentido de identidade.

A comunicação familiar é algo amplamente propagado como necessário. E realmente o é. Porém a maioria das famílias se “comunica” de maneira inadequada e/ou truncada impedindo que qualquer membro pertencente a ela expresse o que sentem internamente, como se a manifestação “livre” fosse algo “incômodo”. Neste tipo de família, aparentemente não existem “brigas” (externas), porque se premia a docilidade.

Vigora um sistema aonde todos seus membros devem cumprir certos deveres e obrigações, sem protestar, contestar, e muito menos discutir. Os filhos afetados podem passar a sofrer de um distanciamento emocional, sendo incapazes de confrontar a dor, a raiva, e os sentimentos “intensos”. Diante desta dinâmica familiar, os sentimentos e necessidades se transformam em algo “ruim”, que não se comenta. Mas todo este “esforço” (em nome de uma aparente “tranquilidade”), só reprime os sentimentos, mas não faz com que eles simplesmente “desapareçam”. Muitos destes filhos que vivem este tipo de “circunstância” familiar desenvolvem uma baixa autoestima.

Como vamos reconhecer e “enfrentar” nossos próprios sentimentos diante de uma estrutura “macro” (a vida social) se na “micro” sociedade em que vivemos (a família) somos, de certa forma, impedidos de nos expressarmos de maneira franca e sincera diante de pessoas de confiança? Uma das respostas é que encontramos outras maneiras “menos normais”, menos saudáveis e menos diretas de nos expressarmos, porque como a água, os sentimentos encontram uma saída de uma ou outra forma.

O envolvimento e “tratamento” da própria família é fundamental porque ao se confrontarem com um transtorno alimentar, a própria família estará diante da sua própria fragilidade. Quando uma filha é afetada por um transtorno alimentar, a própria estrutura da família é abalada. Muitos pais não suportam a dor e se acusam mutuamente. Os irmãos podem sentir-se desprotegidos pelos pais, que concentram sua atenção no doente. Porém, se a família conseguir separar o doente da doença, compreendendo que ela (sua filha) é muito mais que a própria doença, deixando a culpa de lado, mas se responsabilizando e se envolvendo na responsabilidade de participar do tratamento toda esta família sairá fortalecida e transformada. Isto pode se reverter em uma melhoria das ralações intrafamiliares e o respeito da individualidade de cada um dos seus membros.

 

RESPONDENDO AS DÚVIDAS MAIS COMUNS DOS PAIS

Estamos diante de uma doença ?

Ultimamente você tem observado algumas condutas que não sabe como qualificar. Sua filha pode estar fazendo uma dieta que não difere muito daquela que suas colegas do colégio fazem. Talvez esteja menos comunicativa, não faz mais refeições com a família, ou passe muito tempo na academia de ginástica. Pensamos que estas atitudes por si só, não representam nada com que nos preocuparmos. Além disso, muitas vezes minimizamos alguns sinais de alerta. Não existe dúvida de que preferimos que “tudo esteja bem” e seguimos nos comportando como se tudo realmente estivesse “bem”. Na realidade, todos devem estar atentos, e sempre que existirem dúvidas consultar um especialista em transtornos alimentares como o GATDA.

É um capricho ?

Esta é a pergunta feita pelos pais que acreditam que o comportamento da sua filha deve ser “isso mesmo”. Apenas um capricho, uma mania de adolescente. Estamos diante de filhas que sempre se comportaram, de maneira “normal”, “como se espera”, nunca causaram problemas em casa. E agora, repentinamente, tem atitudes inesperadas para os pais. Muitas vezes existe uma alteração na personalidade, às vezes são hostis e agressivas, e a harmonia familiar se abala. Os pais sempre devem prestar atenção a estas mudanças de comportamento.

Podem ser apenas problemas de adolescência ?

Muitos pais pensam que esta situação se reverterá com o passar do tempo, que é apenas circunstancial. Seu interesse por “ficar magra” não difere da maioria das pessoas. Pensam: “Afinal, não deve ser nada demais, porque todas as garotas fazem dietas”. “São questões de saúde”, pensamos. Por que então não colaborar preparando a “comida especial” que ela nos pede? A maioria evita confrontos e aceita. O que pode ter de mal? Pensam.

O que eu fiz de mal para que isso acontecesse, quem é o culpado ?

Chegamos ao ponto em que a situação é quase insustentável. Os pais não sabem o que se passa com eles, o que se passa com sua filha, e com sua família. Pensam que tudo está um caos, mas não sabem o que está acontecendo. Então se perguntam: “O que fizemos de errado? ”- “Aonde falhamos? ”.

Se eu conversar com meu filho(a) ele/ela vai entender e mudar de atitude ?

Esta é uma das últimas tentativas para reverter a situação. Lamentavelmente não dá resultado. Sua filha não reconhece que está doente, não tem consciência da doença. Por isso não quer se curar. Só alguém que se “percebe” doente, busca a cura. Você não deve se esforçar no sentido de tentar “convencer” sua filha. O melhor caminho é buscar uma solução efetiva através da busca de um especialista. Este é o caminho mais seguro para se preservar a saúde: O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO PRECOCE DO PROBLEMA.

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Será que meu filho(a) tem anorexia ?

Em geral os pais nos perguntam se algumas condutas das suas filhas são na realidade “caprichos de adolescentes”, se obedecem “a crises de identidade” ou se são “comuns a todas as garotas”. Muitas vezes não associamos algumas atitudes que isoladamente não são importantes, mas que em seu conjunto podem confirmar uma Patologia Alimentar grave: a “ANOREXIA NERVOSA”. Resumiremos brevemente algumas alterações físicas que a doença produz, atitudes frente à comida típicas da anorexia, e também condutas sociais próprias da doença. É oportuno salientar que quem sofre de Anorexia não reconhece estar doente, tem um medo intenso de aumentar de peso e “se veem” gordas. Estas três razões básicas se potencializam e dão como resultado uma obsessão por emagrecer que não tem limites. É necessário então aprender a detectar a doença. Não duvidamos que conhecer a Anorexia, e aceitar que sua filha possa ser vítima desta doença, seja o primeiro passo para o tratamento.

Será que meu filho(a) tem bulimia ?

A BULIMIA NERVOSA é uma doença que pode ser chamada de   “segredo que mata”. É muito difícil detectá-la, porque na maioria dos casos não existe um peso significantemente baixo para chamar a atenção, como no caso da anorexia. As condutas patológicas “altamente secretas” daqueles que têm a doença, não permitem perceber com facilidade um sinal de alerta que nos indique uma possível doença. “O comer escondido” nos impede de detectar os atos de voracidade. “A compulsão” é uma conduta que se prática “escondido”. O abuso de laxantes, vômitos, diuréticos e/ou anorexígenos também se oculta. Mas: Quem detecta estas condutas? A bulimia nos esconde os seus atos. Frente aos outros come normalmente ou faz dieta, então, a família se encontra “fora” do problema, o desconhecem, e por consequência, não podem oferecer ajuda. Devemos então nos converter em observadores, prestar atenção a mínimos detalhes que podem ser reveladores, devemos aprender a detectar a bulimia. Não duvidemos que a percepção precoce facilita a recuperação. O conselho é claro e o repetiremos toda vez que seja necessário: “Consulte um especialista”. Este é sem dúvida o caminho mais seguro, mas o que é que devemos observar para descobrir a doença? Para facilitar a tarefa descreveremos o perfil da paciente anorexia e da bulimia, os sinais físicos e clínicos, as atitudes frente à comida, a conduta social, aspectos da personalidade e outras características.

Como os irmãos podem ajudar no tratamento ?

Irmãos podem ter suas diferenças e até mesmo “viverem brigando”, mas eles podem auxiliar no processo de recuperação. Os irmãos e irmãs são tão úteis no processo de recuperação como os pais. Aliás, o relacionamento entre irmãos aonde um deles tem algum tipo de distúrbio alimentar, deve ser tão valorizado no processo terapêutico quanto o relacionamento entre os pais e os filhos. Por isso sempre que possível, é desejável que os irmãos participem do processo de tratamento. Muitos irmãos reagem de maneira cooperativa ao se envolverem no processo da irmã ou irmão doente. Se os irmãos forem mais novos, é muito importante que sejam informados do que está acontecendo com a irmã ou irmão. Uma criança muito nova, ao passar por um problema como esse, que envolve toda uma dinâmica familiar, pode sentir que é parte ou causadora direta do problema. Por isso as crianças não devem ser excluídas, não pense que seus filhos mais novos, “não irão entender nada, e, por isso é melhor não contar nada”. Muitas crianças ao presenciarem uma irmã ou irmão, por exemplo, vomitando ou emagrecendo demais, podem erroneamente imaginarem que seu irmão ou irmã está “morrendo”. Mesmo sabendo que essas doenças são fatais, no imaginário infantil, seu irmão, pode estar com câncer por exemplo.

Por que os irmãos e as irmãs devem ser incluídos no tratamento ?

Os irmãos ajudam a esclarecer a dinâmica e as interações familiares. Os irmãos ajudam a compreender e esclarecer interações passadas e atuais da família. Auxiliam a esclarecer como essa família “funciona”. Desta maneira, podem agir como “orientadores’ para o desenvolvimento do processo terapêutico, em especial quando as relações entre os membros da família permanecem não resolvidas.

Os irmãos podem auxiliar muito no tratamento especialmente quando não existe um relacionamento fortalecido entre os pais, mas existe um relacionamento bem estruturado entre os filhos. Muitas vezes os irmãos são a base de sustentação da família. Uma surpresa é que uma ajuda real e genuína pode ser fornecida por aqueles irmãos de quem se esperaria menos ajuda — por exemplo, uma irmã “introvertida e calada” que está tendo os seus próprios problemas pode, muitas vezes auxiliar a irmã ou irmão com problema.

Deve-se compreender a posição de cada irmão dentro da família e pedir que todos participem expressando as suas opiniões. Se por alguma razão prática, os irmãos não puderem vir às sessões de tratamento da pessoa, podemos estabelecer um canal de comunicação com elas, entrevistando-as no telefone ou pedindo que escrevam o que sentem e pensam sobre o assunto. Os princípios e objetivos do tratamento são explicados em sessões separadas. Geralmente os irmãos compreendem muito bem o significado do distúrbio alimentar e dos seus efeitos sociais e familiares. Compreendendo o que está acontecendo e aprendendo sobre o tratamento, os irmãos podem também agir como  “coparticipantes” do tratamento, envolvendo-se na família e nas discussões, ou expressando mais livremente suas opiniões sobre a dinâmica familiar.

Os irmãos que têm vidas independentes ao manterem um contato positivo com os pais podem agir como “modelos” para ajudar os pacientes a fazerem a transição frequentemente difícil do estágio infantil para o de adulto independente. Os irmãos podem ser uma força tremenda positiva, mas podem também ser parte do problema. Por exemplo, um irmão ou irmã, geralmente mais velhos, podem ser extremamente envolvidos ou podem tentar agir como um pai. Ou, ainda pode haver uma rivalidade ou outra dificuldade de relacionamento entre os irmãos. Cada uma destas áreas do problema é trabalhada individualmente, em sessões especiais.

Embora nós o foquemos somente alguns aspectos da inclusão dos irmãos no tratamento, a conclusão está em aberto: nós podemos aprender muito dos irmãos e das irmãs. Eles certamente nos ajudam a aprofundar nossa compreensão de distúrbios alimentares e, consequentemente podemos ampliar o campo de ação e o potencial do tratamento.

Valeria Palazzo Valeria Lemos Palazzo

Autoria do texto:

Valéria Lemos Palazzo – Psicóloga e Neuropsicóloga

Idealizadora, Criadora e Coordenadora do GATDA – Grupo de Apoio e Tratamento dos Distúrbios Alimentares, da Ansiedade e de Humor